PUBLICADO EM GREENME

A construção de moradias habitacionais é necessária no Brasil, sobretudo, nos grandes centros urbanos. Temos um número elevado de pessoas sem moradia e um descuido histórico de sucessivos governos que nunca deram prioridade à questão habitacional e ao planejamento urbano.

Estamos longe de ter esse problema solucionado. Apesar de, recentemente, as moradias sociais terem ganhado espaço na paisagem das cidades brasileiras, sabemos os elevados custos que todos nós estamos pagando por isso.

Moradia digna e falta de planejamento

As nossas cidades crescem sem qualquer planejamento. A consequência são as enchentes, o lixo, o tráfego, a falta de saneamento, a interrupção dos serviços de água e luz. E mais: muitos desses empreendimentos se dão às custas do desalojamento de milhares de famílias.

O engenheiro urbano Luiz Kohara, em entrevista à IHU On-Line, explica que dar acesso à moradia digna não é apenas construir abrigos:

“Tem a ver com a sua localização, porque em um local onde não há acesso a transporte adequado e a infraestrutura de serviços públicos, não se tem uma moradia digna. Essa moradia até pode ser um abrigo com quatro paredes bem construídas, mas ela não é suficiente, porque a pessoa não tem acesso aos benefícios produzidos pela cidade”.

Só na cidade de São Paulo, mais de um milhão de pessoas vivem em situação de precariedade ou sem acesso à moradia. Na maior cidade brasileira, a questão habitacional sempre foi tensa e esse conflito parece estar longe de ter uma solução.

Árvores derrubadas

Há 40 dias, indígenas Guarani estão em disputa com a construtora Tenda por um terreno em Jaraguá, região norte da capital paulista. O problema é que o terreno, destinado a um empreendimento de 2 mil imóveis, está ao lado da Terra Indígena do Jaraguá, onde 800 guaranis vivem.

O empreendimento já começou com uma série de problemas, como a derrubada de cerca de 500 árvores, o que provocou a ocupação do local pelos indígenas. Após um mês, a construtora conseguiu com a prefeitura um mandato de reintegração de posse, informa a Exame.

Embora os indígenas tenham desocupado o terreno após a chegada da Polícia Militar, eles foram para frente da área para seguir resistindo à construção do empreendimento.

Apenas nessa primeira fase do projeto, a Tenda obteve permissão para derrubar 528 árvores em região de Mata Atlântica, número que pode elevar-se nas fases posteriores.

A reivindicação dos Guarani é que o licenciamento não levou em considerou os impactos da construção de 2 mil unidades imobiliárias para a aldeia. A construtora deveria realizar um estudo de impacto ambiental antes de iniciar a obra, em conformidade com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Thiago Henrique Karai Jekupeá, da aldeia Yvy Porã, explicou melhor a situação:

“Não estamos questionando a posse do terreno, mas a forma como o projeto foi licenciado. O avanço da cidade para perto da nossa aldeia aumenta situações de preconceito e o resultado é que nossos jovens entram em depressão, não conseguem se encontrar nesse mundo. Mas o real impacto da obra só poderá ser medido com esse estudo detalhado que estamos pedindo”.

Os Guarani têm um outro projeto para a área ao redor do Parque Estadual do Jaraguá: a criação de um parque municipal que seria um espaço de preservação da natureza e da memória da cultura Guarani. A liderança indígena Sonia Ara Mirim explica que a comunidade quer

“que toda a população usufrua desse espaço, que o portão fique aberto, que a cultura Guarani seja mostrada e que as pessoas trabalhem com a gente a floresta”, informa El Pais.

Por outro lado…

Da parte da construtora, a argumentação é de que o empreendimento prevê que 50% da área será preservada, além de levar infraestrutura e saneamento básico para a região. A Tenda Negócios Imobiliários pertence a um grupo de acionistas da AMBEV e do Itaú que atua, sobretudo, em empreendimentos do Minha Casa Minha Vida.

Não é a primeira vez que São Paulo é palco desse tipo de conflito. A situação na região do futuro Parque Augusta, que foi ocupada por moradores da região central da capital,  foi  resolvida após um acordo da prefeitura com as construtoras Cyrela e Setin, que concordaram em ceder o terreno para o município em troca de mais de cerca de 200 milhões de reais em créditos para a construção de empreendimentos em outras áreas da cidade. Foi preciso ocupação e mobilização da opinião pública durante anos para chegar a esse acordo.

Pelo direito àS moradiaS

habitação social é um direito garantido pela Constituição, assim como a proteção das terras indígenas pelo poder público. Entretanto, ambos os direitos são tratados como mercadorias.

A solução para esse conflito de terra, em São Paulo, não pode ser resolvido pelo interesse capital da construtora. É preciso encontrar uma forma pacífica de atender à demanda da construção de moradias sociais, como um serviço público, ao mesmo tempo em que se garanta a habitação e a organização das vidas indígenas que estão no entorno.

Não é uma questão fácil, mas não é com a tropa de choque da PM e mandatos judiciais que ela será dignamente solucionada.

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