Foto: Jorge Ferreira, jornal A Verdade
O Relator Especial sobre Moradia Adequada vinculado ao Alto Comissariado das Nações Unidas (ONU), Balakrishnan Rajagopal, respondeu nesta quinta-feira, 9 de julho, à denúncia assinada por diversas entidades, universidades e movimentos sociais sobre todos os despejos que vêm ocorrendo no Brasil durante a crise de Covid-19, depois que mais de 2.000 famílias foram expulsas de suas casas. Outros milhares correm risco de despejo na cidade e no interior do estado de São Paulo.
“O Brasil tem o dever de proteger urgentemente todos, especialmente as comunidades em risco, da ameaça do Covid-19, que afetou mais de um milhão e meio de pessoas no país e matou mais de 65.000”, disse relator especial da ONU. “Despejar com força as pessoas de suas casas nessa situação, independentemente do status legal de sua locação, é uma violação de seus direitos humanos.”
Embora alguns tribunais tenham suspendido as ordens de despejo até que a crise da saúde termine, outros continuam emitindo novas ordens. As autoridades locais também parecem priorizar a retomada de propriedades pertencentes a grandes empresas e proprietários de terras, em detrimento da saúde e segurança de pessoas vulneráveis.
Despejar as pessoas agora – sem oferecer abrigo de emergência ou moradia de longo prazo – também entra em conflito com medidas para evitar a propagação da doença, disse Rajagopal.
“O Ministério da Saúde brasileiro pediu às pessoas que fiquem em casa se tiverem sintomas, que lavem bem as mãos e mantenham um distanciamento físico para evitar o contágio”, afirmou. “Ao mesmo tempo, centenas de famílias foram despejadas no estado de São Paulo sem qualquer acomodação alternativa, impossibilitando o cumprimento das recomendações oficiais e tornando-as em alto risco de contágio.”
Ele também expressou preocupação com o fato de o presidente brasileiro Jair Bolsonaro ter vetado um esforço do Congresso brasileiro para limitar o impacto das remoções. O Congresso ainda não votou um projeto mais amplo que suspenderia todas as expulsões judiciais ou administrativas durante a pandemia.
“Encorajo os poderes legislativo e executivo no Brasil a priorizar urgentemente a proteção dos direitos humanos das comunidades em situações vulneráveis”, afirmou Rajagopal.
“A atual crise de saúde exige medidas de emergência, incluindo uma moratória imediata em todas as expulsões. Resolver a crise imobiliária no Brasil, com uma escassez estimada em mais de 7 milhões de unidades habitacionais, implicará etapas adicionais e mais transformadoras, que o país também precisa considerar sem demora. “
Ações de despejo e remoção afundam população na vulnerabilidade
Com mais de quatro meses de registro do primeiro caso de Covid-19 no país, o Estado brasileiro não elaborou, até o momento, medidas uniformizadas e de validade para todo território nacional que garantam a não realização de despejos e remoções de famílias durante a pandemia, aponta a denúncia enviada à ONU, articulada por diversas entidades como o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e Ribeirão Preto, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Associação Rural Renascer da Estação Remanso dos Pequenos Agricultores de Araras, Central de Movimentos Populares e Movimento Sem Teto do Centro. O informe foi organizado pelo Terra de Direitos e o Labá – Direito, Espaço & Política, Laboratório de Pesquisa Interinstitucional da UFRJ, UFPR e UNIFESP, em conjunto com o Observatório de Remoções da FAU USP e UFABC.
O documento menciona as fragilidades presentes nas poucas medidas oficiais adotadas para o contexto de intensa crise epidemiológica para assegurar a permanência de povos tradicionais, famílias de áreas periféricas e rurais em suas casas e territórios durante a pandemia – condição essencial para contenção da Covid-19.
Com registro oficial de 67.964 mortos em decorrência da Covid-19 e de 1.713.160 pessoas infectadas – dados contabilizados pelo Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (Conass) nesta quarta-feira (08), a país se apresenta de diferentes formas para a pandemia. Estudos desenvolvidos por organizações e universidades com base nos registros de secretarias municipais da saúde apontam que a Covid-19 manifesta-se com mais intensidade e maior letalidade junto à população rural, negra, periférica e onde a oferta de serviços essenciais – como fornecimento de água, energia, saneamento e unidades públicas de saúde – é ainda escassa ou precária. São estes grupos que também estão mais suscetíveis às ações de despejo e remoções, por medidas judiciais, administrativas ou mesmo pela ação de grupos privados.
A ausência do Estado no desenvolvimento de ações para efetivar o direito à moradia adequada, somada à forte ação do mercado, desenham um complexo panorama em que 8 milhões de famílias – cerca de 12% da população – não têm moradia e 35 milhões de pessoas não têm acesso ao abastecimento regular de água no país.
Segundo relatos das 15 famílias a ação de despejo da Comunidade das Mangueiras não foi acompanhada pelo Conselho Tutelar ou da Secretaria de Assistência Social do município. Foto: Filipe Augusto Peres
Com informações do Terra de Direitos e ONU