Dia 8 de julho, um grande dia na luta por políticas públicas efetivas para as pessoas em situação de rua. Após uma noite e um dia de acampamento em frente à Prefeitura, organizado por movimentos sociais e apoiado pelo Fórum da Cidade de Acompanhamento das Políticas Públicas da Cidade de São Paulo, a gestão municipal teve que se reunir com as lideranças populares e dialogar sobre ações efetivas para proteger a população mais vulnerável do novo coronavírus e do frio.
Na terça-feira, integrantes do Movimento Nacional da População de Rua e Movimento Estadual da População de Rua haviam levado barracas para a frente da sede da Prefeitura, no Viaduto do Chá, onde ficaram acampados até que a gestão municipal os recebesse. Também estavam presentes representantes do Núcleo de Defesa e Direitos Humanos da População em Situação de Rua (NDDH-SP) e Fórum da Cidade da População em Situação de Rua (SP).
Entre os assuntos mencionados, o pedido para que parem de retirar cobertores, barracas e objetos pessoais de quem vive nas ruas; garanta melhores condições nos centros de acolhida da Prefeitura, especialmente no que diz respeito à higienização destes espaços; garanta acesso a serviços básicos de saúde; realize a instalação de banheiros e chuveiros públicos permanentes na cidade; negocie com o Bom Prato do governo do Estado a manutenção das três refeições, de domingo a domingo; e coloque em prática a Lei Nº 17.740, que garante hotéis para pessoas em situação de rua durante a crise do coronavírus.
Após uma longa espera, lideranças do grupo foram recebidos pelas secretárias Berenice Maria Giannella (SMADS) e Claudia Carletto (SMDHC), também com a presença da coordenadora do Comitê Pop Rua, Giulia Patitucci, que se comprometeram a contratar mais vagas de hotéis para além das 100 já comprometidas, manter os contratos dos banheiros enquanto durar a pandemia e providenciar os banheiros permanentes. Também afirmaram que irão implementar os camping e negociar com o governo do Estado a melhora da comida do Bom Prato, além da permanência da gratuidade.
Segundo a Prefeitura, o último censo registrou 24.344 pessoas em situação de rua em São Paulo no ano de 2019, o que representa um salto de 53% em quatro anos. Mas os dados são contestados por movimentos sociais, já que pelo Cadastro Único, sistema do Ministério da Cidadania, do Governo Federal, registrou 33.292 famílias em situação de rua no município no mesmo ano do censo.
Meses depois, vagas de hotéis seguem apenas no papel
No fim de abril, Covas sancionou uma lei que permite que pessoas em situação de rua sejam hospedadas em quatros de hotéis durante a pandemia. É o que prevê a Lei Nº 17.740. de 30 de abril de 2020, que dispõe sobre medidas de proteção e de saúde pública e assistência, cujo artigo 13 comunica que o poder público poderá disponibilizar vagas de hotéis de hospedagem em hotéis, pousadas, hospedarias e assemelhados. O custo das diárias sairia dos cofres municipais para cobrir hospedagem e uma refeição.
No entanto, mesmo após aprovação pela Câmara de Vereadores de São Paulo e sanção pelo prefeito Bruno Covas, até agora o projeto de lei não foi executado pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS). Em reuniões com o Fórum da Cidade da População em Situação de Rua, o argumento da gestão municipal é de que os hotéis da cidade não se manifestaram após publicação do edital de chamamento. Mas a burocratização do edital, que também é pouco atrativo, e a lentidão dos processos e diálogos, tem colocado cada vez mais vidas em risco.
Nina Laurindo, Socióloga, integrante da coordenação do Núcleo de Defesa e Direitos Humanos da População em Situação de Rua (NDDH-SP) e membro do Fórum da Cidade da População em Situação de Rua (SP) contextualiza. “Quando saiu o edital, apenas sete hotéis se registraram e não foram habilitados, então voltamos para a estaca zero. Desde então, continuamos insistindo para que, de alguma forma, a SMADS ou outra política municipal olhem para a invisibilidade que a população de rua tem, especialmente neste momento de pandemia e seu agravamento, com o frio”, explica.
Com a chegada do inverno, os termômetros chegam a marcar mínimas em torno de 10ºC e a Covid-19 já fez ao menos 28 vítimas entre os desabrigados — número que não dá a dimensão das mortes, já que só são registrados assim os casos informados pelas equipes de Consultório na Rua ou da assistência social.
Onde estão as vagas mencionadas por Bia Doria?
Na última semana, chocou a população paulistana a entrevista de Bia Doria para Val Marchiori, em que a primeira dama afirma que pessoas estão em situação de rua porque querem. Segundo ela, não se deve dar comida ou roupa porque eles precisam querer sair da rua. “A rua hoje é um atrativo, a pessoa gosta de ficar na rua”, afirma.
A primeira dama, que também é presidente do Fundo Social de São Paulo, destinado a ajudar a população vulnerável, ignora, no entanto, as condições dos abrigos destinados a esta população, como a falta de estrutura nos locais e de materiais para higienização. Não raras vezes, as camas ficam bastante próximas umas às outras, os ambientes são insalubres, sem ventilação e propícios para a propagação de piolho, percevejos, doenças como a tuberculose e, claro, o novo coronavírus.
Robson Mendonça, Presidente do Movimento Estadual da População de Rua (MEPR), comenta o pouco caso da gestão municipal com relação à população em situação de rua nos centros de acolhida. “Falam que têm vagas ociosas, mas é claro que parte da população não aceita ir para esse equipamento: os locais são insalubres, com espaços que, inclusive, chove dentro”, explica.
A Prefeitura de São Paulo divulga que há 17.200 lugares disponibilizados nos albergues da cidade, sendo cerca de 12 mil vagas para pernoite e o restante para que a pessoa passe o dia no abrigo. Nas noites em que o censo foi realizado, 11.693 pessoas estavam nos albergues e 12.651 dormiam ao relento. A situação deve se agravar com a grave crise econômica causada pela pandemia. “Temos notado muitas famílias com criança pequena, que vem para a fila em busca de alimento, porque o desemprego e a fome aumentaram demais durante a pandemia, por não terem mais condições de se auto sustentar”, alerta Robson.
Na contramão da pandemia
Em situação de extrema pobreza e com a chegada de baixas temperaturas, a população em situação de rua está ainda mais marcada pelas dificuldades na luta para se proteger do novo coronavírus. Na última semana, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e o Fórum da Cidade da População em Situação de Rua transmitiram a live “Na contramão da pandemia: como estão as articulações sociais em defesa da vida da população em situação de rua durante a crise do novo coronavírus”.
Participaram do debate Nina Laurindo, Socióloga, integrante da coordenação do Núcleo de Defesa e Direitos Humanos da População em Situação de Rua (NDDH-SP) e membro do Fórum da Cidade da População em Situação de Rua (SP); Robson Mendonça, Presidente do Movimento Estadual da População de Rua (MEPR); e Viviane Ceolin Dallasta Del Grossi, Defensora Regional de Direitos Humanos em São Paulo e membro do grupo de trabalho em prol das pessoas em situação de rua da Defensoria Pública da União. A mediação foi de Luiz Kohara, membro do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.
Para assistir na íntegra, acesse: https://bit.ly/live-na-contramao-da-pandemia-pop-rua
Foto: entrega de marmitas feitas diariamente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua (MEPRSP, realizada na Sé. Arquivo: Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos