VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)
No dia 16 de março, três representantes da Prefeitura de São Paulo procuraram justificar e defender neste espaço (“Inclusão social e revitalização urbana”) as remoções de centenas de pessoas da região dos Campos Elíseos, centro de São Paulo. Segundo o Ministério Público, a ação já vem permeada de ilegalidades mesmo antes da pandemia. Agora, com média móvel de mais de 2.000 pessoas pela Covid-19 no país e com o sistema de saúde colapsado, as remoções tornam-se sérias ameaças à vida, sob responsabilidade da prefeitura.
A gestão Bruno Covas (PSDB) alega que essas remoções são necessárias para dar continuidade às obras de Parcerias Público Privadas (PPPs) que, desde 2017, vêm removendo famílias que há anos moram no local. Inicialmente foram removidas cerca de 200 famílias que moravam na quadra 36, onde hoje se constrói o Hospital Pérola Byington. Foram removidas em 2018 antes mesmo de serem pactuadas alternativas de moradia definitiva; muitas não foram cadastradas, e as que tiveram atendimento alegam que o valor do auxílio-aluguel, de R$ 400, e da carta de crédito, de R$ 150 mil, são insuficientes para que se mantenham na região central.
Muitas mudaram de cidade, outras foram para as zonas sul e leste de São Paulo, enquanto bem na frente de suas antigas casas a prefeitura constrói mais mil unidades habitacionais via PPP. Por que nenhuma dessas unidades foi oferecida como alternativa às famílias da quadra 36?
Importante ressaltar que essas quadras são demarcadas como Zona Especial de Interesse Social (Zeis) pelo Plano Diretor de São Paulo e, portanto, teriam como prioridade atender as famílias que moram ali por meio da elaboração participativa de um plano de urbanização pactuado junto a um conselho gestor. Nada disso aconteceu. O conselho foi formado depois que muitas famílias já haviam sido removidas e a decisão do que seria ali construído já ter sido tomada. Em relação à realidade da população em situação de rua que habita a região, a falta de moradia persiste em paralelo ao intenso aumento da violência policial.
A situação se repete nas quadras vizinhas, chamadas de 37 e 38, que também fazem parte da mesma Zeis e que começaram a ser removidas na desastrosa ação da prefeitura e do governo estadual em maio de 2017, que resultou em pessoas feridas durante a demolição dos prédios. Ou seja, a remoção parece ser a única alternativa concreta do poder público.
E, novamente, a promessa genérica e abstrata de um atendimento futuro nas torres da PPP nunca foi apresentada às famílias de forma clara e detalhada, apesar de inúmeros pedidos de esclarecimento e informações protocolados há mais de dois anos pelas entidades que acompanham esse processo.
Algumas dúvidas ainda pairam no ar: de que modo as famílias removidas arcarão com as parcelas de um empreendimento em PPP sem ter a carteira de trabalho assinada, ou documentos em ordem, ou uma renda fixa e estável, realidade de muitos que hoje vivem e trabalham na área? O que acontecerá com as centenas de famílias que atualmente moram nas quadras e não integram o desatualizado cadastro realizado pela prefeitura em 2017?
Enquanto o imbróglio continua, famílias que moravam há 30 anos em uma mesma pensão tiveram de se mudar. Um casal que tinha um estacionamento no local há décadas, coagido por ameaças por parte do poder público de chamar a polícia para que saíssem e pela demolição de imóveis vizinhos, aceitou o auxílio-aluguel de R$ 400 e mudou-se para uma favela na zona sul de São Paulo. Estes são apenas dois exemplos da forma de atuação irresponsável da política habitacional oferecida até o momento pela prefeitura de São Paulo para essas famílias.
Não se pode dizer que faltam alternativas. O projeto “Campos Elíseos Vivo”, elaborado de forma coletiva com moradores, comerciantes e entidades organizadas em torno do Fórum Aberto Mundaréu da Luz, vem, desde 2018, apresentando possibilidades acessíveis de atendimento habitacional para a região sem promover remoção ou demolição, além de estratégias de cuidado dignas, associadas à moradia para a população em situação de rua e que faz uso de drogas.
O projeto propõe alternativas para moradia, emprego, renda, segurança alimentar e redução de danos. E, o mais importante, ele apresenta soluções para a moradia condizentes com a capacidade de pagamento e com a realidade social dos atuais moradores, de forma que a necessidade de atendimento e permanência destes seja cumprida, conforme determina o Plano Diretor municipal.
O projeto foi apresentado e protocolado inúmeras vezes para os diversos secretários da Habitação que se sucedem desde 2018, para diferentes secretarias e instâncias municipais e estaduais, em audiências públicas, em reuniões em gabinetes e de grupo de trabalho, e até para o gabinete do próprio prefeito. Até hoje não tivemos nenhum retorno.
O que a prefeitura e o governo do estado têm feito é expor famílias à extrema vulnerabilidade em plena pandemia, descumprindo a legislação municipal e removendo famílias de baixa renda residentes em Zeis sem oferta de habitação definitiva. Por isso, não apenas a Defensoria, mas o Ministério Público e dezenas de entidades e coletivos têm questionado reiteradamente os procedimentos da intervenção.
Assinam este artigo:
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Centro de Convivência É de Lei
Fórum Aberto Mundaréu da Luz
Instituto Pólis
Movimento de Moradia na Luta por Justiça
Mosaico FAU Mackenzie
Observatório de Remoções
Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia – ULCM
União dos Movimentos de Moradia de São Paulo – UMM-SP