Por André Alcântara, advogado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

Vivemos um cenário incerto diante do aumento das desigualdades sociais, como o congelamento de políticas públicas sociais desde o golpe parlamentar e a ascensão de gestores que usam as instituições públicas para promover exclusão social, afetando exclusivamente a população empobrecida.

Neste contexto, “Maria e Marcos” são personagens de um caso emblemático, que demonstra como o povo vem sofrendo com a política de criminalização da pobreza, no qual os gestores responsáveis por promover direitos resolvem retirá-los e colocar os pobres atrás das grades.

A mãe de Marcos reside há mais de 18 anos em um imóvel sem destinação pública da Prefeitura no Jardim Peri-Peri, zona oeste de São Paulo. Marcos e Maria voltaram a morar no local onde residiam durante a primeira gravidez. Retornaram meses após o início da pandemia, devido à perda de emprego e dificuldade em pagar aluguel em uma cidade litorânea de São Paulo. E para tornar a situação ainda mais desafiadora, o casal possui duas crianças, uma com nove anos e outra com cinco, além de dois adolescentes com 15 e 17 anos que estão sob sua responsabilidade após a morte dos pais, irmãos de Maria. Trata-se de uma família acolhedora e solidária, onde que todos buscam se ajudar, especialmente diante das adversidades da vida.

Essa nova configuração familiar desagradou parte da vizinhança, que acionou a Subprefeitura do Butantã que, por sua vez, promoveu uma medida excludente e criminalizadora. Chamou-os na Subprefeitura tão somente para ordenar que deixassem o local. Aqueles que deveriam promover direitos, incluindo a família em programa de moradia, exigiu que eles saíssem sem nenhum atendimento. E ainda, diante da resistência em sair do local Maria e Marcos receberam ameaça de terem seus filhos retirados da família.

Sem sucesso nas ameaças e sem promover qualquer encaminhamento social, o subprefeito determinou que fiscais e guardas municipais fossem até o imóvel para registrar uma suposta invasão. Em seguida, enviou ofício à delegacia de polícia local pedindo a instauração de inquérito policial contra Maria e Marcos, acusando-os de esbulho possessório e desobediência, “a fim de salvaguardar as responsabilidades administrativas” da Subprefeitura.

Assim começou o caminho de criminalização em 11 de agosto de 2020 e que se encerrou somente no último dia 25 de junho de 2021 na 1ª Vara Criminal do Foro Regional de Pinheiro, Comarca da Capital, quando a juíza Aparecida Angélica Correia acolheu o pedido de arquivamento do inquérito policial feito em audiência pela promotora de justiça Lana Drapier Albuquerque Zaidowicz, com participação do defensor público Carlos Isa.

Destaca-se a atuação dos agentes policiais da delegacia local, que compreenderam as razões sociais do conflito e registraram as alegações dos acusados, respeitando o contraditório e a ampla defesa. A vitória deve ser celebrada, demonstrando que no sistema de justiça há servidores capazes de compreender a realidade social e com responsabilidade evitar o uso político da justiça criminal, promovido por determinados gestores contra a população pobre.

Ao mesmo tempo, o caso demonstra a importância da articulação e resistência popular contra a criminalização, para sensibilizar os atores do sistema de justiça em relação às verdadeiras causas do conflito para além dos limites do direito penal.

Maria e Marcos continuam no imóvel, cuidando da família, sobrevivendo à ausência de políticas sociais que enfrentem a desigualdade social e os efeitos da pandemia. Eles são sinal de esperança acreditando em alternativas de economia solidária, mantendo uma horta comunitária (fotos abaixo) e, atualmente, tendo boa relação com a vizinhança, uma vez que a família dá uma função social ao imóvel público esquecido por seus gestores.

Abaixo, imagens da horta de Maria e Marcos:

Compartilhe: